segunda-feira, agosto 14, 2006

Agora é o momento


13 de março de 2002.

"Já ancorado na Antártida, ouvi ruídos que pareciam de fritura. Pensei: será que até aqui existem chineses fritando pastéis? Eram cristais de água doce congelada que faziam aquele som quando entravam em contato com a água salgada. O efeito visual era belíssimo. Pensei em fotografar, mas falei para mim mesmo: - 'Calma, você terá muito tempo para isso...' Nos 367 dias que se seguiram, o fenômeno não se repetiu. Algumas oportunidades são únicas."
Amyr Klink

Como diz o Dalai Lama: "Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ONTEM e outro AMANHÃ. Portanto HOJE é o dia certo para AMAR, ACREDITAR, FAZER e principalmente VIVER."

Fim da linha


8 de março de 2.002.

Nas primeiras horas do dia eu já estava puto, milhões de pensamentos loucos. Fui acordado e permaneci daquele jeito por mais um bom tempo. O que falei a quem estava ao meu lado nem entrou pelos ouvidos. Talvez no subconsciente apenas. A embriaguez a fez adormecer rapidamente. Após o sono vi que sumiu um anel. Compromisso que não tem mais sentido. O meu também se foi para uma caixa esquecida. Acabou. Há muito tempo. Só falta oficializar o fim...

sexta-feira, agosto 11, 2006


26 de fevereiro de 2.002.
Por curiosidade, há poucos dias atrás, calculei com minha HP há quantos dias estou vivo. São muitos mil... Após aquele dia vivi alguns momentos "down", como já os tenho vivido há algum tempo. Procurei alguns refúgios. Sim, há vários. Álcool e drogas são alguns deles, porém nunca foram a minha escolha. Brincar com crianças é outro: o mundo delas é diferente. Ouvir um som é uma alternativa e o estilo de música também pode ser escolhido. Às vezes estou mais para um rock, às vezes para uma MPB, às vezes até para um canto gregoriano. Vai do espírito, vai do momento. Assistir a uma comédia já foi um dos meus refúgios anos atrás. Hoje já saiu dos meus gostos. Ler é como a música: é possível escolher o estilo. Às vezes, porém, preciso mesmo é de um carinho. Deitar a cabeça num colo, sentir um afagar nos meus cabelos, um beijo carinhoso, deslizar de mãos por todo o corpo, abraço...
Pois é: muitos mil dias depois chega o momento em que eu me vejo só. Eu não escrevi "me sinto só". Escrevi "me vejo só". Sentir é algo que pode fazer parte de muitos lances da vida. Ver-se só, no entanto, ao menos aos meus olhos, é mais profundo. É chegar em um momento em que não se tem com quem contar. Parece que todas as pessoas que gostam de mim (e sempre há pessoas que gostam da gente), gostam de um modo muito superficial. Ou talvez o problema seja mesmo só meu. Talvez o que de fato tenha ocorrido é que cheguei num ponto em que não confio mais em ninguém. É o caso de muitas batidas de cabeça, muitas decepções... Eu talvez tenha me fechado e não sou mais capaz de me expor, de dividir com alguém as minhas tristezas ou qualquer coisa que julgo problema.
Apaixonei-me tempos atrás. Sonhei com um novo relacionamento, com alguém que preenchesse o meu vazio. Era uma situação difícil. Teríamos que romper nossos relacionamentos atuais, problemáticos, tristes, cheios de altos e baixos (mais baixos do que altos?), para nos aventurar num caso que até poderia não dar certo. Nada aconteceu apesar da vontade de ambos os lados. Na verdade eram vontades diferentes: a minha de um relacionamento mais sério, de achar uma pessoa para compartilhar a vida. A dela era de simplesmente um caso, sem necessariamente ter que existir uma continuação. Ela se foi sem que nada acontecesse. Ligou-me somente mais uma vez. Foi me ver também mais uma. E nunca mais... Sumiu. Por quê? Será que algum dia qualquer coisa ainda vai rolar? Já agora tanto faz se a minha vontade ou a dela... Estou só.
"Eu só quero um amor, que acabe o meu sofrer, um xodó pra mim, do meu jeito assim, que alegre o meu viver". Não são palavras minhas mas imagino que o autor estivesse com um sentimento parecido com o meu. Ou não.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Solidão


11 de fevereiro de 2002.
Queria ter escrito isso há dois dias. Foi o sábado de carnaval. O dia amanheceu chuvoso e eu com a boca amarga. Boca amarga eu acho que é normal para qualquer pessoa quando acorda, mas a minha permaneceu assim durante o dia. Acordei também com vontade de sexo, mas não com quem estava ao meu lado. Foi o típico dia em que a vontade para ir trabalhar estava bem próxima do zero. Passei todo o tempo na rede. Depois que o relógio girou e chegou finalmente na hora de eu ir embora, minha vontade de voltar pra casa estava pequena. Resolvi almoçar ali por perto mesmo. Para quem estiver estranhando explico: trabalho somente meio período aos sábados, mais precisamente até às treze horas.
Peguei uma mesa solitária, frente para uma janela que dava a visão da rua. O trânsito estava tranqüilo na cidade grande abandonada. O tráfego de pessoas também não estava intenso. A chuva passou por algumas horas. Fiquei por ali, lendo Cem Anos de Solidão enquanto esperava meu prato. Comi devagar observando a rua. No restaurante também havia poucas pessoas. Um japonês sentou-se mais ou menos em minha direção e fumando começou a me olhar. Ignorei. Talvez fosse veado, coisa que não me diz nada. Eu detestava a raça, mas aprendi a somente respeitar a escolha sexual de cada um. Meu negócio continua sendo somente mulher. Continuei a olhar para a rua. Lembrei-me do dia 12 de janeiro. A diferença básica era que naquele dia eu cheguei num restaurante às três horas da manhã. Em ambos os casos eu estava sozinho. Na madrugada de janeiro acompanhado somente dos garçons e pessoal do restaurante. No sábado, além do pessoal do lugar, uns poucos clientes como eu. O sentimento de solidão é que era o mesmo. Pensei, nas duas ocasiões, numa paixão louca que me assaltou meses atrás. Onde ela estaria? O que estaria fazendo? Será que se lembra que eu existo? Pensei em sair dali e ir para o Palestra Itália: Palmeiras e Santos. A chuva voltou. Sozinho, debaixo de chuva? Não, melhor desistir da idéia. Aliás, além dos dois detalhes, mais um: com um livro em mãos eu não entraria no estádio. É, produto que pode gerar fogo. Comprei um Halls antes de sair para a rua. Talvez a amargura da minha boca fosse embora... Voltei devagar para casa. Quando cheguei, ninguém. Também não liguei para saber onde estavam ou se demorariam para chegar. Liguei o som, fui estudar um pouco. Pois é, poderia ter escrito sobre minhas sensações no mesmo dia. Não o fiz. Não estava a fim...

terça-feira, agosto 08, 2006

Vida de adulto


9 de fevereiro de 2002.
Quando ainda somos crianças não enxergamos muitas coisas. Não entendemos a profundidade de coisas que os adultos nos dizem. Não aceitamos que muitos dos nossos momentos de traquinagem vão terminar mal como os mais velhos nos alertam. Quando ainda somos crianças somos mais felizes. Não temos tantas preocupações e desilusões. A solidão não é sentida. Qualquer outra criança é um amigo com quem podemos conversar, rir, brincar, brigar e logo fazer as pazes... Em algum momento, porém, temos que virar adulto. Quantas saudades dos velhos tempos, dos famosos "anos que não voltam mais"! Hoje coloco aqui um texto maravilhoso de um cara que adoro ler...
Felizes de mentirinha
Um garoto, uma foto e o fim da inocência Fabio Hernandez, revista VIP, dezembro de 2000. Aqui estou diante de mim mesmo. Uma foto antiga, que minha mãe mandou ampliar e me deu de presente. (Já falei que minha mãe, em seu português severo e escorreito, fala copázio de Nescau e não copão?) Um mestre zen recomenda que todos tenhamos perto de nós uma foto de quando éramos crianças. Para tentar recobrar a pureza, a inocência, o contentamento da infância. Vejo a foto. Branco e preto, como os filmes de Woody Allen. Alguém disse a minha mãe, se não me engano, que hoje seria possível dar cores à foto. Minha mãe teve a sabedoria de mantê-la em branco e preto. Cabe à minha imaginação colorir tudo. Tenho 13 ou 14 anos. Estou subindo a rua da minha casa, na Rua José Rubens, 117. Todo mundo tem o endereço de sua vida. Aquele é o meu. José Rubens, 117. Venho de um jogo de futebol. As meias grandes de jogador ali estão. Carrego uma malinha na qual presumo que estivesse minha roupa extracampo. Tênis preto de bico branco, calção claro e camisa aberta. Cabelos claros, penteados da esquerda para a direita. Um corpo de menino. Nem um pêlo em meu peito magro ou em meu rosto. E as pernas finas de quem está apenas no começo da trajetória. Estou diante da casa da Dona Rute. Dona Rute tinha nariz adunco e voz estridente. Vendia pequenas coisas em sua casa: cola, vareta, seda para papagaios. (Chamávamos de quadrados.) Era parteira. Nasci, numa noite de maio cuja hora minha mãe jamais soube precisar quando quis encomendar mapas astrais, pelas mãos da Dona Rute. Era mais velha que o Seu Zé, seu marido, um homem careca, meio gordo, bigodudo. Eu jogava de vez em quando xadrez e futebol de botão com Seu Zé. (A bolinha era o feltro amassado de um maço de cigarros.) A última lembrança que tenho do Seu Zé é ele empurrando a cadeira de rodas da Dona Rute. Reumatismo, velhice, uma combinação de ambos? Não lembro. Mas é uma imagem terna, que de alguma forma ainda hoje, tantos anos e tantas mortes depois, incluída a do velho casal vizinho, me comove. O verdadeiro amor é aquele que conduz uma cadeira de rodas. Esse pensamento tolo me ocorre agora.
Felizes de mentirinha
Virgem. Eu era virgem naquela foto, e ainda seria durante um bom tempo. Sexo, a miséria e a glória do sexo, seus prazeres e tormentos, tudo isso estava ainda muito adiante de mim. Virgem no corpo, virgem na alma, como mostra a foto. O meu mundo se resumia aos amigos, que se reuniam naquela esquina de que se vê um pequeno pedaço na foto, a uma bola de futebol e à escola. Isso e a família. Nada complicado, sobretudo mulheres. Eu dormia o sono dos virgens, o sono dos puros. Só muito tempo depois entrariam em minha vida noites aflitas, sobressaltadas, duramente enfrentadas com calmantes. Vejo mais uma vez aquele menino subindo a rua e, como sugere o mestre zen, tento encontrar algo dele em mim. Ou reencontrar. Rendo um tributo sincero e tocado ao fotógrafo anônimo que registrou a imagem do fim dos dias de inocência para aquele garoto. Perguntei a minha mãe quem fotografara. Ela disse que fora o Seu Zé, mas jamais vi o Seu Zé com uma máquina nas mãos. Meu pai? Meu irmão, que eu esmagava no futebol e hoje me esmaga no tênis? Minha irmã? Não, minha irmã devia estar no violão, ela que tinha a voz mais linda do mundo. Talvez algum amigo da família.
E ali estou eu, subindo a rua da minha infância perdida. Por que o mestre zen pede um reencontro tão difícil, Deus? Sou eu, mas ao mesmo tempo não sou eu. O olhar. Mas mais que tudo o sorriso. Meus sorrisos nas fotos de adulto são solicitados. Ou eu mesmo tomo a iniciativa de fabricá-los. Felizes de mentirinha, a melhor forma de felicidade. É uma frase da peça Anjos da América. (Não lembro se era esse mesmo o nome da peça.) Felizes de mentirinha. Não, não aquele menino ali. O sorriso veio de dentro, irrompeu como uma doce brisa do coração e tomou seu rosto claro, sem que ninguém o chamasse. E, na tentativa patética do reencontro, me pergunto onde foi que me perdi de mim.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Espanhola



8 de fevereiro de 2002.

Ontem eu estava triste. Pensando no momento não havia motivo aparente. Era um sentimento de solidão. Talvez somente isso. Pensando, porém, mais profundamente, é claro que há motivos. São coisas que vão se acumulando durante horas, durante dias, durante anos muitas vezes. E sempre chega um momento em que nos sentimos sós. Eu precisava de um carinho, de um afago na cabeça, de olhos me olhando, de mãos me tocando, de ouvidos me ouvindo, de lábios falando comigo e jogando-me sorrisos. Olhos também sorrindo. Se as palavras fossem tristes eu precisaria de lágrimas cúmplices que acompanhassem as minhas. E me lembrei de uma paixão que não foi fisicamente correspondida. Talvez sim emocionalmente, sentimentalmente correspondida. Talvez também não. Talvez um dia eu saiba responder a essa dúvida. Nada ocorreu de fato porque houve medo. Muitos pensamentos, muita voz da razão antes de qualquer entrega emocional. Não deixamos, eu e ela, a "coisa de pele", o fogo do desejo nos levar. E ela um dia se foi. Talvez nem se lembre mais dos dias de desejo que tivemos, das palavras e dos olhares que trocamos, das confidências que nossos ouvidos ouviram. Bom, passou. Um dia tive um sonho. O sonho eu escrevi. Guardei. Já que toquei no assunto vai aí abaixo o sonho que tive, o texto que escrevi... Somente os nomes são fictícios. Quem sabe um dia ainda encontro meu amor. Pode até não ter nada que se relacione ao sonho, mas que seja um amor...

2 de Julho de 1999.
Espanhola

Freddy a viu à meia distância. Meia mais para perto do que para longe. Seu olhar era calmo... inocente... negro... profundo... carente... tímido... Seu rosto inclinava-se para sua esquerda, queixo para baixo. Como de uma santa. Seus cabelos castanhos claros corriam-lhe até o meio das costas. Estavam presos formando uma nobre coroa. Seu nariz foi cuidadosamente desenhado. Fino, ou melhor, no ponto. Seu rosto suave mostrava sardas que corriam-lhe também pelo peito, acima dos seios. Seus lábios eram perfeitos e delicadamente carnudos. Suas sobrancelhas ajustavam-se à cor de seus cabelos, mais para grossas.
Seu olhar logo encontrou o de Freddy. Imediatamente abriu-se um maravilhoso sorriso. Branco, retilíneo. Foi o puxar de um gatilho para a explosão interna de Freddy... Foi algo quase inexplicável. Como que um fogo subiu-lhe à pele. Seus pêlos arrepiaram-se. O coração tremeu como se colocado repentinamente em algum lugar da Antártida. Um sorriso de resposta foi o que chegou à sua face. "Quem era?", perguntava-se. "Quem era?" Passaram-se apenas alguns segundos. E ela levantou-se. Um metro e cinqüenta e cinco. Trajava uma roupa simples. Uma camiseta curta, mangas bufantes e curtas que pareciam amarradas em seus braços. Os detalhes eram rabiscos. A cor tendia a areia. O decote era como a letra primeira do alfabeto, cabeça para baixo. Seus braços foram moldados suavemente. Sua pele era lisa, morena, clara. Seus seios vislumbravam os quadros e formavam curvas cuiadosas... As mãos eram suaves, lindas como as que são contratadas para propaganda. Sua cintura era fina, deliciosamente chamando para um abraço... A calça que ela vestia era justa. Contornava seus quadris e pernas com o merecido carinho. Estes foram esculpidos com ausência de relógio. O autor tivera todo o tempo do mundo. Importava apenas que nenhuma imperfeição existisse... E os pés, trinta e cinco no máximo, delicados, calçavam sandálias de corda. Seu andar era calmo, gracioso. O sorriso e o fixo olhar em Freddy não saíam-lhe do rosto... Freddy respirou fundo. Na mente passava-lhe um vazio, nem pó. Veio-lhe somente uma expressão, inexplicável inclusive: "Espanhola..." Ela logo chegou. Encostou seu corpo no de Freddy. O rosto de forma a buscar o mais profundo do olhar contrário, narizes encontrando-se num leve toque. Virou-se para que ele desse-lhe um abraço por trás, segurando-lhe a cintura... Sua pele era quente. Arrepiante. Lisa como seda. As mãos de Freddy deslizaram com cuidado. E com carinho. "Como é o seu nome?", foi só o que pôde balbuciar Freddy ao seu ouvido... Ela lançou-se a beijar-lhe a boca. Ardente. Molhado. Respondeu num sussurro, em espanhol, "Marccella". "Tchéla é lindo...", passou rápido pela mente de Freddy. "Marccella, meu sonho... Espanhola..." Acordou no dia seguinte e logo cedo tinha que sair. Ir ao centro da grande cidade. A memória pulsava parecendo inflamar todo seu corpo. O rosto de Marccella não o abandonava em momento algum. Saiu. Caminhou, tomou o transporte coletivo, sentou-se, leu algumas páginas do livro que empunhava, caminhou novamente. Com os olhos procurou Marccella entre as centenas de rostos que viu. Olhou corpos também. Não a encontrou. Ele imagina que ela existe. Idêntica ao que viu e tocou em sonhos... O homem pode sentar-se, papel e lápis nas mãos, e desenhar. Qualquer traço: forte ou fraco, bruto ou suave, que levam ao feio ou ao bonito... Ele certamente desenhará alguém que existe... Em algum lugar, mas existe. Deus, ao criar, fez isso... O que torna-se para o homem uma ficção, em algum lugar do mundo é real... O sonho de Freddy existe. Somewhere...

quarta-feira, agosto 02, 2006

Gatos


05 de Fevereiro de 2002

Sempre gostei muito de ler. Também de escrever. Meus textos, pensamentos e histórias, sempre permaneceram guardados em algum lugar. Às vezes em papéis soltos, às vezes em cadernos, às vezes em caixas de namoradas que colecionavam o que eu lhes escrevia... Perderam-se todos. Chegou o primeiro computador. Nesse tempo eu já não escrevia com a mesma constância. As fontes inspiradoras haviam se perdido em algum lugar do passado... A vida continuava e trazia vários momentos que deixavam marcas. Marcas bonitas e feias. Lembranças de horas felizes e de horas tristes. Acho que deve acontecer com a maioria das pessoas, mas os piores momentos sempre ficam mais tempo na memória. E voltei a escrever. Muito das letras que colocava sobre o papel (papel físico ou virtual, não vem ao caso) refletiam pensamentos desconexos. Após um tempo, quando eu mesmo ia reler, não entendia muitas das coisas que quisera dizer. Joguei fora muito do que saiu de mim... Mas, guardei algumas coisas. A quem interessar, agora, publico por aqui junto com meu dia a dia... Hoje, para começar, pensei em colocar aqui um texto que fala sobre a minha infância. Desisti. Acho que seria muito chato como início. Pensei então em um sonho que tive e registrei, que fala sobre uma linda mulher por quem me apaixonei à primeira vista. Resolvi deixar para outra ocasião. Talvez o melhor início seja algo interessante e ao mesmo tempo engraçado. Vai, então, um texto de Ailin Aleixo, publicado na revista VIP. Fala sobre gatos. Para quem os ama ou os odeia, vale a pena ler... Eu, pessoalmente, os amo, embora em casa exista uma cachorrinha.

Garfield é meu rei!

Gatos são divinos. E bem superiores a nós.
Ailin Aleixo, revista VIP, agosto de 2000.

Amo gatos. Amo suas vibrissas, que, quando criança, cortava pensando estar fazendo a barba do bicho. Suas unhas, que já me retalharam de cima a baixo (nunca deixei de pegar um sequer no colo, mesmo os ariscos ou sarnentos). Amo os dentes afiados. O andar deliciosamente rebolante (cresci tentando imitá-los e hoje rebolo tanto que parece que vou desconjuntar). Amo a maneira como se lavam, o modo como dormem, encolhidos. Os grandes olhos amarelos. Mas o que mais amo é o que muita gente odeia: a personalidade. Eles não precisam de você, ou de mim, pra dar comida, arrumar uma gata gostosa ou se distrair. Sabem muito bem viver sozinhos, mas oferecem o prazer de sua companhia. Se estivermos à altura, é claro. Gatos só se deixam "criar" por pessoas pelas quais têm o mínimo de respeito (você costuma ver mendigos ou bêbados com gatos de estimação?). Independentes. Eles nos olham como se fôssemos completos imbecis – que somos – quando balbuciamos alguma estupidez do tipo "Xaninho, vem com a mami": ora, já que vamos abrir o bocão, que seja para algo que preste. Ou os deixemos dormir em paz, que o sono é sagrado, meu amigo. Cínicos. "Amo no gato a suprema indiferença e a distinção com a qual ele passa dos salões aos telhados." Elegantes. Pouco importa se moram num lixão ou numa almofada fofa, os gatos satisfazem-se com o que são e não precisam ir ao pet shop colocar lacinho e perfume para serem aceitos. Não admitem humilhação: que gostem deles do jeito como são ou os esqueçam, porque para eles tanto faz. Charmosos. Nunca se vêem gatos transando, muito menos atracados no meio da rua, de bando. São amantes noturnos, discretos. O máximo de participação que nós temos no ritual é auditiva – ou líquida, quando os mais babacas jogam água pra apartar. E, mesmo aparecendo sem um pedaço da orelha no dia seguinte, aquele olhar sacana vale a noite de sono perdida com a gritaria. É impossível se zangar com um gato.

Linguão pra fora

Eles não fazem festa quando chegamos em casa, não babam com o linguão pra fora ou rolam pelo chão, mas sabem direitinho quando estamos tristes. Daí chegam, como quem não quer nada, sobem no nosso colo, ronronam (ah, como adoro esse barulhinho!), dormem um pouco e vão embora. Não são disponíveis nem estão ao alcance da mão todo o tempo, é certo, mas quando um gato está com você pode ter certeza de que ele não gostaria de estar em mais nenhum outro lugar. E nem faz aquilo por hábito ou obrigação. Diferentemente dos cães, gatos não querem ter dono, e sim compartilhar bons momentos. Honestos. Conviver com eles requer maturidade. Não são traiçoeiros, são livres. Nunca bajulam. São autênticos, por isso são difíceis. É muito mais fácil lidar com mentiras gentis, babação de ovo, puxação de saco, não é? E agora não me refiro só a felinos... Gatos são muito parecidos com os humanos, por isso tanta gente os odeia: sabemos tão pouco lidar com eles como conosco mesmos. Parecidos, mas melhores: não mentem, não têm hierarquia, não fingem gostar de crianças, não sorriem quando na verdade querem te estraçalhar. São rancorosos (experimente maltratar um deles e, inadvertidamente, cruzar com ele de novo), preguiçosos, sedutores, imprevisíveis. Enigmáticos, interessantes, sagrados. Defeitos e virtudes no ponto certo. Gatos seriam homens perfeitos.