quarta-feira, agosto 02, 2006

Gatos


05 de Fevereiro de 2002

Sempre gostei muito de ler. Também de escrever. Meus textos, pensamentos e histórias, sempre permaneceram guardados em algum lugar. Às vezes em papéis soltos, às vezes em cadernos, às vezes em caixas de namoradas que colecionavam o que eu lhes escrevia... Perderam-se todos. Chegou o primeiro computador. Nesse tempo eu já não escrevia com a mesma constância. As fontes inspiradoras haviam se perdido em algum lugar do passado... A vida continuava e trazia vários momentos que deixavam marcas. Marcas bonitas e feias. Lembranças de horas felizes e de horas tristes. Acho que deve acontecer com a maioria das pessoas, mas os piores momentos sempre ficam mais tempo na memória. E voltei a escrever. Muito das letras que colocava sobre o papel (papel físico ou virtual, não vem ao caso) refletiam pensamentos desconexos. Após um tempo, quando eu mesmo ia reler, não entendia muitas das coisas que quisera dizer. Joguei fora muito do que saiu de mim... Mas, guardei algumas coisas. A quem interessar, agora, publico por aqui junto com meu dia a dia... Hoje, para começar, pensei em colocar aqui um texto que fala sobre a minha infância. Desisti. Acho que seria muito chato como início. Pensei então em um sonho que tive e registrei, que fala sobre uma linda mulher por quem me apaixonei à primeira vista. Resolvi deixar para outra ocasião. Talvez o melhor início seja algo interessante e ao mesmo tempo engraçado. Vai, então, um texto de Ailin Aleixo, publicado na revista VIP. Fala sobre gatos. Para quem os ama ou os odeia, vale a pena ler... Eu, pessoalmente, os amo, embora em casa exista uma cachorrinha.

Garfield é meu rei!

Gatos são divinos. E bem superiores a nós.
Ailin Aleixo, revista VIP, agosto de 2000.

Amo gatos. Amo suas vibrissas, que, quando criança, cortava pensando estar fazendo a barba do bicho. Suas unhas, que já me retalharam de cima a baixo (nunca deixei de pegar um sequer no colo, mesmo os ariscos ou sarnentos). Amo os dentes afiados. O andar deliciosamente rebolante (cresci tentando imitá-los e hoje rebolo tanto que parece que vou desconjuntar). Amo a maneira como se lavam, o modo como dormem, encolhidos. Os grandes olhos amarelos. Mas o que mais amo é o que muita gente odeia: a personalidade. Eles não precisam de você, ou de mim, pra dar comida, arrumar uma gata gostosa ou se distrair. Sabem muito bem viver sozinhos, mas oferecem o prazer de sua companhia. Se estivermos à altura, é claro. Gatos só se deixam "criar" por pessoas pelas quais têm o mínimo de respeito (você costuma ver mendigos ou bêbados com gatos de estimação?). Independentes. Eles nos olham como se fôssemos completos imbecis – que somos – quando balbuciamos alguma estupidez do tipo "Xaninho, vem com a mami": ora, já que vamos abrir o bocão, que seja para algo que preste. Ou os deixemos dormir em paz, que o sono é sagrado, meu amigo. Cínicos. "Amo no gato a suprema indiferença e a distinção com a qual ele passa dos salões aos telhados." Elegantes. Pouco importa se moram num lixão ou numa almofada fofa, os gatos satisfazem-se com o que são e não precisam ir ao pet shop colocar lacinho e perfume para serem aceitos. Não admitem humilhação: que gostem deles do jeito como são ou os esqueçam, porque para eles tanto faz. Charmosos. Nunca se vêem gatos transando, muito menos atracados no meio da rua, de bando. São amantes noturnos, discretos. O máximo de participação que nós temos no ritual é auditiva – ou líquida, quando os mais babacas jogam água pra apartar. E, mesmo aparecendo sem um pedaço da orelha no dia seguinte, aquele olhar sacana vale a noite de sono perdida com a gritaria. É impossível se zangar com um gato.

Linguão pra fora

Eles não fazem festa quando chegamos em casa, não babam com o linguão pra fora ou rolam pelo chão, mas sabem direitinho quando estamos tristes. Daí chegam, como quem não quer nada, sobem no nosso colo, ronronam (ah, como adoro esse barulhinho!), dormem um pouco e vão embora. Não são disponíveis nem estão ao alcance da mão todo o tempo, é certo, mas quando um gato está com você pode ter certeza de que ele não gostaria de estar em mais nenhum outro lugar. E nem faz aquilo por hábito ou obrigação. Diferentemente dos cães, gatos não querem ter dono, e sim compartilhar bons momentos. Honestos. Conviver com eles requer maturidade. Não são traiçoeiros, são livres. Nunca bajulam. São autênticos, por isso são difíceis. É muito mais fácil lidar com mentiras gentis, babação de ovo, puxação de saco, não é? E agora não me refiro só a felinos... Gatos são muito parecidos com os humanos, por isso tanta gente os odeia: sabemos tão pouco lidar com eles como conosco mesmos. Parecidos, mas melhores: não mentem, não têm hierarquia, não fingem gostar de crianças, não sorriem quando na verdade querem te estraçalhar. São rancorosos (experimente maltratar um deles e, inadvertidamente, cruzar com ele de novo), preguiçosos, sedutores, imprevisíveis. Enigmáticos, interessantes, sagrados. Defeitos e virtudes no ponto certo. Gatos seriam homens perfeitos.