segunda-feira, maio 28, 2007

Uma história real


2 de fevereiro de 2006.
Uma história real
Informações incompletas
Palavras desconexas

Resolveu ir para o Japão. Lá arrumou um casamento, mas obedecendo todas as exigências do futuro sogro. Segundo consta, este último era rico e influente. Tinha, porém, apenas filhas, mulheres, que não poderiam dar seqüência ao nome da família. A exigência, portanto, foi que o noivo abrisse mão de sua identidade e adotasse o nome da família do sogro.
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O primeiro nascimento trouxe uma criança do sexo feminino. O segundo veio homem e também o terceiro. Após este terceiro, uma separação. As informações que chegaram ao Brasil, à família dele, foram de que era uma separação ordenada pelo sogro. Era como se depois de gerar dois homens, que poderiam dar prosseguimento ao nome da família, ele estivesse sendo descartado, jogado fora mesmo.
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Ficou louco. Apegadíssimo aos filhos, e eles ao pai, não se conformava com a distância. Brigou. Chegou a pensar que a mãe de seus filhos o traíra. Brigou. Foi preso por agressão e impedido, por tribunal, de aproximar-se dos filhos. Definitivamente. Ficou louco.
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Sem emprego – trabalhava com o sogro, sem teto, sem nada, sem raciocínio até, começou a ter visões. Viu seu avô japonês, que havia anos morrera no Brasil, lhe dizer que havia uma herança. O dinheiro era muito. Fora usado pelas Nações Unidas para financiar países mundo afora. Mas era um dinheiro que pertencia, agora, a ele, seu neto. Suas visões alucinadas ainda lhe mostraram sósias, homens que se faziam passar por ele para apossarem-se de toda a herança. Ficou louco. Viu-se livre da cadeia tempos depois. E voltou à luta por ver os filhos.
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Veio a papelada do divórcio. Obrigado, assinou. A mãe chorava para que ele voltasse ao Brasil. Implorava. Chegou a dizer-lhe que iria ela, então, até o Japão. Não. Não foram todas as respostas. Ele só voltaria para o Brasil com os filhos. Mas não tinha assistência. Nem médica, nem judicial, nenhuma. Divórcio, rua, alguns amigos, talvez apenas dois.
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Telefonava para a mãe a cobrar. Falava apenas coisas desconexas, de suas visões, de brigas e ameaças do sogro. Disse que mataria o avô de seus filhos. Dizia que ele também prometia matá-lo.
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O telefone tocou no Brasil. Morrera. Acidente de carro. Quebrou um poste e um muro. E o carro. E a vida. De onde vinha? Para onde ia? Por que a alta velocidade? Sabotagem? Assassinado? Suicida? Ou apenas mais um acidente no mundo?
Ninguém sabe. Ninguém por aqui saberá. Apenas a história deve ser engolida, da maneira como foi narrada pelos japoneses.
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O corpo não vem. Vêm as cinzas. Cremar foi a decisão. A família por aqui não tinha como fazer diferente. O dinheiro não existe. Embalsamar, reconstituir como disseram ser necessário, despachar o corpo... mais de setenta mil reais. Quantos possuem tamanho dinheiro guardado, disponível? Engolir tudo foi a decisão.