segunda-feira, maio 28, 2007

Meu amigo Paulo

9 de janeiro de 2006.

Fiquei pensando, depois de ler, que concordo mais do que plenamente com meu querido amigo Paulo. Pensei em publicar no meu espaço aquele texto, mas tive dúvida. Será que porque é ele um amigo, porque o conheço, porque está tão próximo? Depois pensei: mas que diferença há entre ele e outro escritor cujas palavras admiro? Bem, vai aí abaixo o texto, que também (e originalmente) é encontrado no inteligentíssimo, abrangente e culto http://www.baciadasalmas.com/. Obrigado, Paulo, por ter você por perto. Obrigado por me incentivar a sair da mediocridade.
"05.01.06

O infortúnio da especialização
Pense comigo
Guardo, sim, rancor. Uma das decisões mais injustas que tive de enfrentar me apertou quando, concluído o que hoje se chama Ensino Médio, tive de escolher um único curso com o qual me ocupar na faculdade. Aquele bendito manual de inscrição da UFPR, a ficha que preenchi e paguei no Banco do Brasil da Rua XV, exatamente no canto onde se postava a mulher que adverte tão sensatamente olhe a cobra. Eu era um jovenzinho muito certo da minha indecisão: se há algo que eu não queria fazer era me especializar em alguma coisa, cair de cabeça numa única “carreira”, por mais promissora que se mostrasse. Não que eu não me interessasse por nada; era exatamente o contrário. Meu sonho era encontrar alguma universidade renascentista que continuasse a me ensinar literatura, física, biologia, matemática e educação física ao mesmo tempo. Escolher uma única área de conhecimento me parecia ao mesmo tempo injusto, difícil e estúpido. A humanidade demorou muito antes de adotar a idéia infeliz, sugerida por alguma comissão, de departamentalizar o conhecimento. Os gregos especulavam com o mesmo ardor sobre a geometria, a música, a física nuclear, a pintura, a matemática, a retórica, a filosofia e a química. Nos milênios que se seguiram a pluralidade de interesses sempre caracterizou o homem de conhecimento. A meros dois passos do nosso próprio tempo, durante o Renascimento, não ocorreria a ninguém que se desse o respeito cair na armadilha da especialização. Sensato era Leonardo Da Vinci, que percorria com a mesma facilidade os terrenos da pintura, da biologia e da engenharia. Hoje em dia, como se sabe, tudo que há é especialistas. Não é à toa que quando estamos juntos só nos resta bater papo furado, já que fugimos apavorados diante da possibilidade de encarar qualquer coisa que não diga respeito à nossa estreitíssima faixa de terreno. Somos tão especializados que levaria mais tempo para explicar ao nosso interlocutor sobre o que estamos falando do que ele ou nós estamos dispostos a gastar conversando. E, como se não bastasse, o alvo de cada especialista é especializar-se ainda mais. Está dito: no que me diz respeito nada há de menos interessante do que a especialização, e o paradoxo está em que é com ela que ocupamos toda a nossa vida – ou nossa vida profissional (que é, naturalmente, a mesma coisa). Apesar de tudo, é fácil explicar a moderna paixão universal pela especialização: ela é o único caminho mais ou menos seguro para a contratação, e ninguém quer acumular o tremendo risco de não ser contratável. Buscamos ser especialistas porque é apenas com especialistas que, idealmente, queremos lidar. Gostamos de pensar que vivemos num mundo em que “você sabe do que está falando?” vale mais do que “você sabe com quem está falando?” Por outro lado, gastamos tanto tempo com as facilidades da vida moderna (como o trânsito), que sobra-nos pouco tempo para algo que não seja a especialização – e somente a nossa. Em retrospecto, todos os meus esforços foram e permanecem canalizados na minha luta pessoal e profissional contra a especialização – e incluo nesses esforços, perceberá o impenitente leitor, esta Bacia. Já me informaram que um blog que se preza não pode querer abraçar o mundo; pelo contrário, garantem-me a única maneira de escapar da invisibilidade na internet é a mesma em vigor fora dela: a especialização. Escreva por favor sobre qualquer coisa, mas não escreva sobre tudo – conselhos que me apresso, visivelmente, a desobedecer. Ao fim dos meus trabalhos, terei reivindicado talvez o direito inalienável de não ser rotulado. As pessoas que mais me intrigam (como o Ivan, como o infame Oliver Sacks, como o inesgotável Farah) são inescrutáveis, lisas como peixes, impossíveis de se classificar com alguma propriedade. Há aquela história de um homem que foi abordado na praça e alguém lhe perguntou o que ele era. Ele respondeu sou um homem. O interlocutor insistiu, perguntando o que ele fazia, de que se ocupava, o que ele era, e o sujeito apenas reiterou sua posição.

– Você não diz de um pássaro que ele é um cantor. Ele não é o seu ofício; ele é o que é. Um pássaro é um pássaro. Eu sou um homem.
Paulo Brabo"