quinta-feira, outubro 19, 2006

Infância


Data: não sei quando escrevi esse texto...

Eu não me lembro da minha infância. Um ou alguns momentos vez em quando. Detalhes particulares de algumas pessoas que passaram por meu caminho. Kátia é uma das lembranças de quando era ainda bem pequeno. Minha mãe, quando me dizia que íamos à casa da prima, via logo um sorriso longo em minha face. Meu coração pequeno acelerava-se ainda mais dentro do peito. Brincávamos muito. Lembro-me de um grande elefante de pelúcia. O avô paterno está sempre presente a essas memórias, mas não há motivo aparente para o detalhe. Talvez uma fotografia, que ainda hoje existe, que mostra-nos juntos em algum lugar.
O avô é lembrado com carinho. Foi-se no ano de 1.979, no primeiro dia do mês de outubro. Eu, então com treze anos de idade, ouvi a notícia chegar quando tocou logo cedo o telefone. Provavelmente foi meu pai quem ligara à minha avó materna. Ouvi a conversa escondido, de dentro do quarto onde dormira, com a porta semi-aberta. As palavras da conversa foram breves, muito breves. Voltei à cama, um sentimento de vazio no peito. Meus irmãos ainda dormiam. E eu chorei. Foi, dentro de minha memória, a primeira morte de que tive notícia. Nada vi. Os dias passaram, poucos, e voltei a São Paulo, onde morava. A luz da sala era fraca para a noite. Imperava um silêncio no ar, pesado. Malas foram colocadas nos primeiros cômodos da casa, meus irmãos foram talvez dormir. A mãe, preparar algo para comermos. E o pai estava tão só que nem a minha presença sentia ou observava. Eram muitas correspondências. Eu, menino, pensei ser por tantos dias longe de casa. Não eram. Meu pai começou a abrí-las e logo a derramar lágrimas infindáveis. Tentei ler algumas das mensagens. Condolências. Meus olhos embaçaram-se acompanhando os de meu pai, mas antes que me rolassem as lágrimas pela face saí rapidamente para alguma solidão. E chorei. Desta vez não pela morte do meu avô, mas pelo choro de meu pai que até então me era desconhecido. Nunca mais também o vi.
Após o dia de outubro acabaram-se também os encontros de Natal. Eram muito bons, ao menos para as crianças. Todos ganhávamos presentes de acordo com nossos pedidos. O Papai Noel era o tio mais velho, Eduardo, embora nunca tenha trajado-se como tal. E o barulho após a entrega dos brinquedos é ainda inexplicável por palavras. Bonecas que falavam, mini-eletrodomésticos, carrinhos com sirene e motores ensurdecedores. As crianças desencontravam-se nos interesses. Cada qual particularizava-se a princípio, alguns ganhavam o interesse de outros num segundo momento. Os adultos falavam alto e gargalhavam em alguns assuntos. Um dos tios falava sem parar a quem quisesse ouvi-lo. Eu gostava de passar por alguns desses instantes. Às vezes minha atenção era até maior do que a de outros ouvintes. Fazia perguntas, interessava-me por política e movimentos partidários. Pouco na verdade entendia, mas tentava. E o encontro terminava sempre feliz.
O convívio familiar não era bem dividido. Vivi mais junto ao lado materno da família. Da avó lembro-me do tempero da comida. Indescritível para a criança, não tão atraente ao adulto. Passeios pela feira, feijão preto. O avô levava-me com meus irmãos a lugares pouco mais memoráveis. Ao campo do colégio para empinarmos papagaio, pipa, quadrado... Quantos nomes para a mesma coisa de papel de seda!... À fábrica de queijos e doces para compra de sobremesas. À piscina do clube. Ao sítio da tia Conseta. Lá eu gostava das vacas, galinhas, hora do café. Dentre a variedade da mesa, bolo de fubá. Íamos também a uma cidade vizinha, Muriaé, onde havia aeroporto e pequenos aviões. Ao Morro do Imperador. Na lembrança este passeio relaciona-se a puré de batata. Coincidência de almoços nos dias do passeio, talvez. Mas a maior probabilidade é a da semelhança de nomes: “puré” com Im”pera”dor. Semelhança não necessariamente de nomes, sim de pronúncias: puré para mim sempre foi “pirê”... É, coisas de criança criativa.