sexta-feira, setembro 15, 2006

Profissão: Pedinte


12 e 13 de março de 2.002.

Quando vi o homem pela primeira vez foi numa das esquinas próximas de onde moro. Fica sempre na calçada oposta ao lado em que param os carros no semáforo. Roupas e cabelos desarrumados, sandália nos pés, fisionamia sofrida. Quando param os carros vem de mansinho, respeita uma distância considerável do motorista, curva-se em sinal de respeito e estende uma das mãos enquanto com a outra tira um boné da cabeça. Só se aproxima quando está certo de que o motorista vai lhe dar algum dinheiro. No dia seguinte a esta primeira vez que o vi já não estava na esquina. Sumiu. Num outro dia, talvez a uma distância de dois ou três quilômetros do primeiro ponto, lá estava ele. Mesmas atitudes, mesmos gestos. Num final de tarde de um outro dia qualquer, passei a pé por aquela primeira esquina. O homem havia voltado. Observei, enquanto ele andava entre os carros e longe deles, com aquele respeito que mencionei, que na calçada, encostada num vão de parede, havia uma mochila. Meio velha, é certo, e com um cobertor bem dobrado sobre ela. Era dele, sem dúvida. Quando o semáforo abriu e ele retornou para o outro lado da rua, ficou ali, ao lado dela, enquanto aguardava o próximo sinal vermelho para o trânsito. Nos dias seguintes observei a mesma ausência. Volta de vez em quando, sem período certo para o mesmo lugar. No sábado passado, por volta das 14 horas, sentei-me para comer alguma coisa numa lanchonete perto de casa. Estava sozinho. O calor estava forte, ótimo para um choppinho. Fiquei por ali algum tempo, meio distraído com o que pedi para comer, com um jornal que comprei, olhando o movimento das pessoas de vez em quando. Já quase levantando-me para ir embora, surge o pedinte. Trajava as mesmas roupas lá da esquina, que na verdade não são tão sujas nem tão limpas, cabelos desajeitados, mochila na mão. Entrou de peito estufado, cigarro Marlboro zero quilômetro na mão, um maço de dinheiro, fisionomia aparentemente feliz, de bem com a vida. Não sei o que comeu, não sei o que bebeu. Mas estava ali, com postura normal de qualquer cidadão (como realmente o é). Fiquei pensando: é um pedinte profissional. Fora de seus locais de trabalho é pessoa normal, apenas mal vestido e meio sujo. Deve ser bem informado, saber da crise de violência que sofre o país, do medo quase generalizado das pessoas. O não aproximar-se dos carros é uma forma de sinalizar ao motorista que ele não representa qualquer risco ou perigo. Consome bons produtos: o cigarro não é dos mais baratos, a lanchonete a que me referi não é qualquer padaria ou boteco. Muda de ponto a cada dia. Parece ter um roteiro bem planejado. Para quem só passa correndo em sua rotina diária o pedinte passa desapercebido. Passa como apenas mais um em apenas mais um semáforo. Figura interessante...