quarta-feira, março 14, 2007

O Rei da Área


15 de outubro de 2005.

Mais uma antiga. Desenterrei mesmo!

2 de Julho de 1999.

O Rei da Área

Nosso rapaz é conhecido por Café. Não vem da cor da pele, que não é negra. Vem de seu próprio nome: Carlos Fernando. Seus primeiros amigos começaram a chamar-lhe assim.
Naquele dia, próximo à hora do almoço, um pouco depois, Café teve que passar pela antiga rua onde morara. Foi caminhando.
A rua não era uma ladeira com forte inclinação. Era quase plana, com uma suave descida.
Café foi caminhando.
Passou em frente ao colégio onde estudou por cinco anos. Os muros estavam mais altos, o portão mais fortalecido e cerrado. Natural em época de férias...
Alguns passos depois ficava a casa do Marco Antônio.
Este, quando criança de quinta série primária, era um gordinho solitário. Não tinha amigos. Parecia não os querer. Seu único relacionamento foi com Café. Juntos fizeram alguns trabalhos escolares, algumas aulas de natação, talvez só. Ele sempre pareceu ao Café ser rico, apesar de que seu pai parecia nada fazer, em nada trabalhar. Marco Antônio tinha um gesto do qual nunca mais Café esqueceu: quando o tempo estava frio, juntava as mãos como se fechando uma ostra e assoprava para dentro. Café não entendia o motivo, até que um dia perguntou. “É prá esquentar as mãos”, respondeu Marco Antônio.
Quando passou na frente da casa do antigo amigo, Café somente teve duas reações: observou os carros, o da garagem e o que estava em frente, e pensou: “o que será que este cara está fazendo hoje em dia?” Os carros continuavam a ser de rico. Só que um era velho e o outro novo.
Na descida da rua olhou também a casa do Augusto. Nada pensou, porém.
Enquanto descia, Café observava que muito havia mudado. A casa do Wilson permanecia igual. “Ó Vílson!”, era o que lembrava. Era como a professora de Educação Moral e Cívica chamava o amigo. “Muito engraçado”...
Passou depois pelo 581. Era a casa da Paula. Lembrou-se que a menina era o máximo. Andava de moto e de carro pelas ruas, mesmo quando era menor de idade. Passava exibindo-se. Os amigos disseram, numa época, que a Paula queria, de qualquer maneira, namorar com o Café. Ele nem ligou. Só encheu o ego de alegria, convencendo-se do quanto era bom.
No 620 morava a Rita. “Bela Rita!”, pensou o Café. Só deu-lhe alguma atenção, porém, quando precisou de “cola” nas provas da escola. Andava com os grandes, com os malandros.
Olhou a travessa onde jogava futebol. Lembrou-se que era o dono do time. As camisas foram as que ele mandara. A bola não saía de seus pés. Foi o artilheiro também. Quebrou até um cabo da Eletropaulo certa vez. Até o punk o respeitava, mesmo quando em turma. As meninas o adoravam e as namoradas não foram poucas... Márcia Helena, Letícia, Simone, Ana...
Neste momento da caminhada Café pensou: “Eu era o rei da área...”
“É, eu era o rei da área...”, continuou pensando o Café.
De repente parou. Olhou bem à sua volta, ao menos na imaginação. A “área” era tão pequena... Três quarteirões talvez...
Mas ele foi o rei. Era isso o que importava. E o Café se foi. O passado ficou ali, somente nas suas memórias.