quarta-feira, março 14, 2007

Texto velho


15 de setembro de 2005.

Achei ontem, por uma obra do acaso, antigos textos. Fiquei feliz! É bom rever algumas coisas que produzi numa época não tão boa...
Publicarei algumas.

16 de Julho de 1999.

Camaleão

Sabe-se do camaleão ser um zeloso de sua vida. Protege-se conforme o perigo do ambiente, sumindo entre as cores deste último.
Léo cresceu sob os olhares fixos dos pais. Sempre teve bons amigos, em casa. Quando com seis anos de idade, ficava debruçado na janela da sala vendo crianças mais velhas azucrinando a vizinhança. O barulho era durante todo o dia, das nove às dezenove horas. As brincadeiras eram várias: pega-pega, esconde-esconde, empinar pipa, descer a ladeira com carrinhos de rolimã, três toques usando portão de garagem como gol.
Léo saía de carro com os adultos. Acompanhava-os nas compras, visitava parentes. A felicidade era uma visita a casa com crianças. Ia também ao clube onde podia nadar e brincar de bola na quadra, quando não ocupada por adultos.
Na primeira série primária fez um amigo na escola. Era um japonês de nome Wilson. Este fazia de tudo bem. Suas notas eram altas, era o craque do futebol de tampinha de garrafa, desenhava com destreza. Tinha suas preferências para os filmes japoneses. Seus Ultra-Seven eram perfeitos aos olhos de qualquer outra criança da mesma idade. Léo também os achava. Desejava ser como o Wilson em tudo, já que considerava-se parelho somente nas notas escolares.
Léo continuou bom aluno. Da terceira série em diante, o melhor. Era o procurado para explicar matérias, fazer trabalhos, passar cola.
Walter era um gigante. Forte, gordo. Dominava a turma dos insubordinados, dos palhaços, dos mal vistos. Tornou-se amigo de Léo e seu protetor. Léo tornou-se seu suporte para um bom desempenho escolar, um seguidor distante. Sim, porque na hora das coisas erradas, Léo permanecia longe, e bem longe do Walter.
Léo passou ao segundo grau. Atingiu o momento de formar opiniões sobre novos assuntos. Era, porém, de poucas palavras. Participante de um grupo, limitava-se a ouvir sem ser notado, opinava com a maioria. Evitava sempre as polêmicas. Começou talvez aqui florescer seu lado camaleão. Eram poucos os amigos: Marcelo e Geninha, os mais chegados. Já não destacava-se como dantes. Perdeu um ano levado pelas ondas de um mar inesperado. Talvez fossem as ondas, e não o mar, as inesperadas. Mas o fato é que foi levado.
Já no terceiro grau passou por uma de João, da estória de João e Maria. Desenharam-lhe uma armadilha para que caísse. Foi atraído pelos doces, por uma linda casa feita de doces, e foi preso para servir de alimento a uma bruxa malvada. Entrou na história porque não soube ser firme, não soube decidir.
A explicação é simples: desde que entendeu que mais velho haveria de ter uma formação e uma profissão, Léo decidiu e estudou para caminhar em direção à engenharia, arquitetura, ou matemática talvez. Assim concentrou-se até o terceiro ano do segundo grau. Vieram as inscrições para o vestibular. Opção de Léo: publicidade e propaganda. Atraía-o o curso? Ou simplesmente era de menor risco que não passasse? É, há chances de ter sido obra do camaleão a proteger-se de algum perigo. Ou de ser obra do camaleão que não tinha firme opinião e mudava qualquer coisa com qualquer circunstância...
Léo chegou à vida profissional. Perdeu logo o primeiro emprego porque foi levado a participar de uma greve branca. Faltaram todos os funcionários naquele dia sem declararem o motivo. Também não tiveram a oportunidade depois. Foram somente sumariamente demitidos. Por que fora atrás dos outros? Era assim tão inocente? Justificou ao pai com meia verdade. Não era possível assumir a fraqueza de um erro.
Trabalhou depois como assistente numa área administrativa. Foram poucos dias até ser chamado à atenção pelo superior. “Você não presta atenção em seu trabalho e nem no meu, no que estou fazendo! Está sempre de ouvidos nas brincadeiras do Zé e do Edson e rindo com eles! ...” Sim, mais uma vez levado por ondas o nosso camaleão.
Seu primeiro carro não foi o próprio Léo quem comprou. Dele foi somente o dinheiro, não a decisão. Era mais fácil acatar a situação como também não seria motivo de desavença.
O mesmo ocorreu mais tarde, quando Léo teria que decidir a compra de um apartamento. Nada decidiu. Somente executou a decisão por outros tomada.
Num outro ambiente de trabalho a história não mudou. Um dia, quando de sua admissão, foi colocado em dúvida quanto à sua atitude. Trabalhara em duas grandes empresas anteriormente, de modo que o novo chefe escancarou-lhe um medo de que ele colocar-se-ia como superior aos outros, quebraria a motivação ou inibiria a equipe já antiga de empresa. Léo, pelo contrário, como bom camaleão, adaptou-se à nova casa, aos novos padrões, à rotina do novo trabalho. Poderia ter-se exaltado, galgado com afinco algum degrau hierárquico, propagandeado cada bom negócio que realizava pela empresa. Acomodou-se como acomodados eram os demais funcionários. Seu maior conhecimento, sua maior experiência, o que tinha de bom a explorar para o bem próprio e da empresa ficaram relegados ao esquecimento. Léo sentiu orgulho no dia em que o chefe parabenizou-o pela adaptação, por não ter se indisposto com ninguém, pela humildade ao ensinar e aprender...
Léo foi traído em alguns casos. Puxaram-lhe o tapete, como diz a expressão corrente. Não foi uma vez, nem duas. E, que reação? Camaleão, ora pois.
É mais fácil adaptar-se, esconder-se no contexto, ficar calado e imóvel do que reagir de alguma outra maneira, seja ela qual for.
Sabe-se do camaleão ser um zeloso de sua vida. Protege-se conforme o perigo do ambiente, sumindo entre as cores deste último...