quarta-feira, março 14, 2007

Mais um texto amarelado


15 de outubro de 2005.

Mais um texto. Esta história aconteceu.


9 de Julho de 1999.

Cláudia

Claúdia tinha cabelos negros. Como os olhos que, porém, brilhavam em sua inquietude. Seu rosto era afilado, belo. Seus lábios eram delicados e guardavam um sorriso branco, reto, arrebatador.
Não era alta. Deveria ter seus um metro e sessenta. Carioca que havia anos já morava em São Paulo. Seu corpo branco era escondido em calças jeans escuro, apertadas. Adorava que os rapazes admirassem suas curvas.
Maria Inês era uma amiga. Andavam juntas, conversavam muito. Quando em cochichos seguia-se o som de alegres gargalhadas. Maria Inês, porém, era na aparência diferente. Trajava-se com roupas largas, coloridas em tons apagados, vez em quando floridas, de padrões diferentes das demais garotas. Traziam a quem lhe observava uma breve denúncia de alguns de seus gostos e hábitos. Tinha poucos amigos. As pessoas marginalizavam-na de certa maneira, justamente por fugir um pouco aos padrões. Interessava-se por horóscopos, leitura de mão e de cartas, diria, abrangentemente, por ciências ocultas. E Cláudia gostava de ouvir-lhe.
Sabia-se, entre os colegas de classe, que a atraente Cláudia tinha um namorado de nome Fernando. Trabalhava este em um banco, numa esquina da avenida Ibirapuera. Ele era mais velho do que ela.
Faltou dizer que este tempo foi por volta do ano de 1985 e que a escola em questão era já de terceiro grau, curso de comunicação.
Os trabalhos escolares solicitados pelos professores não eram muitos nos primeiros anos. Eram sempre, é bom dizer, para ser realizados em grupos.
Cláudia e Maria Inês logo convidaram Johnny para o convívio. Era um rapaz franzino, usava cabelos bem curtos, alvo de pele. Usava um óculos redondo, altos graus de miopia. Jogava esgrima, o que, quando contava, surpreendia o interlocutor.
Não era bonito o Johnny. Simpático certamente. Era alegre, gostava de brincar. Seu relacionamento estendia-se bem pela classe.
Logo viu-se Johnny apaixonado. Seguiu-se vê-los namorando, Cláudia e ele. E o tal Fernando? A notícia não espalhava-se, mas entre os mais chegados de Johnny era sabido que o tal não fora esquecido pela namorada.


Cláudia namorava com os dois. O do banco de nada tinha conhecimento, mas o de cá, de nosso ambiente, tinha tudo às claras e sofria querendo-a exclusivamente. Cláudia dominava-o. Tratava-o com calor, carinho, carícias. Usava de todas as armas que sabe usar uma mulher, quando quer. Sabia que assim o manteria enrabichado.
O pavio do namorado era curto, detalhe do qual ela não se apercebeu. Em seus pensamentos ele estava em suas mãos. Fazia o que ela desejava, estava à sua disposição para quando e para o que quisesse.
Um dia Johnny a deixou. Cláudia correu à Maria Inês. Contou-lhe com ar desanimado o ocorrido e, coisa de quinze minutos depois, já gargalhava com a amiga. O Fernando ainda existia...
Os passos seguintes de Cláudia foram longe de inocentes, pelo contrário, foram bem pensados. Convidou logo os três amigos mais próximos de Johnny para que o substituíssem no grupo de trabalhos escolares. Neste tempo convidou também a Carla, uma pequena, graciosa e tímida moça, que poucos amigos tinha. O grupo multiplicou-se da noite para o dia.
O Osmarzinho tinha uma namorada, a Sabrina. O Plínio, ah, não parecia ter muito interesse em temperamentos como o de Cláudia. A Carla sim, ajustava-se ao seu padrão, mas esta também já namorava. Mas restava o Pedro...
Durante os dias Cláudia foi avaliando-o. Era um rapaz alegre, tímido, com certa beleza. Tinha um ar de inocente, como provaria sê-lo depois, de estudioso, de carente. Quando o assunto era escolar, matérias, trabalhos, provas, era ele o líder. Tudo sabia. Qualquer outro assunto, porém, era ele o calado, o ouvinte. Nunca, ou quase, emitia opinião. Mantinha-se a ouvir, a rir ou sorrir vez por outra.
Cláudia começou a encantá-lo. Foi no que julgava ser seus pontos fracos. Usava de toques, piscadelas, sorrisos, olhares profundos, sensualidade.
Não foi muito difícil ganhar a luta contra Johnny. Sim, porque este, quando percebeu as intenções da ex-namorada, veio logo proteger o amigo. Não se sabe se por ciúmes ou por amizade sincera, por não querer ver o amigo a entrar no mesmo barco do qual ele acabara de saltar, mas o fato é que ele uniu-se mais ao Pedro, e vivia a falar coisas ao seu ouvido.
Voltando à Cláudia, ela venceu Johnny. Poucos dias depois saía ela radiante a desfilar de namorado novo.
E o Fernando? É, logo depois de iniciado o namoro com Pedro, Cláudia desentendeu-se com Fernando. Era este namoro antigo, coisa de mais de dois anos, e não se soube o motivo da discussão. O que é sabido é que Pedro ficou achando que havia conseguido o resultado que Johnny não alcançara.
Cláudia logo descobriu a inocência do novo namorado.
Dezoito anos era a sua idade. O namoro com Fernando trouxera-lhe o conhecimento do sexo, do prazer.
O Pedro, claramente, nada conhecia do assunto, ainda. Foi descobrindo o fato quando perguntava-o sobre relacionamentos passados. Até que não foram poucos, mas infantis. Somente beijos e abraços, passeios a cinemas, lanchonetes e shoppings. Nada mais.
Ela era fogosa. Gostava do tato das mãos, do encontro saboroso de línguas em beijos aprisionadores...
Foram poucos os dias passados até que ela o convidasse a visitar sua casa. As tardes eram livres. Livres de deveres, livres de pai, livres de irmã, livres de empregada.
Era órfã de mãe. Seu pai trabalhava com cinema nacional e raros eram seus encontros com as filhas. A única irmã, mais nova, vivia trancafiada em seu quarto, quando em casa, e a maior parte dos dias na rua, ou em casa de colegas. A empregada não deixava seus afazeres na casa. As tardes de Cláudia, enfim, eram solitárias. Pedro não sabia, porém, destes fatos.
Chegou, enfim, a primeira tarde em que Pedro foi encontrá-la naquela solidão.
Trocaram algumas conversas sobre a faculdade, sobre os colegas, sobre o grupo de trabalhos... Não foram muito adiante nestas palavras. As mãos de ambos já acariciavam o outro enquanto falavam. Sentavam-se no chão da sala, local de pouca luminosidade, aos pés do sofá. Beijavam-se muitas vezes, e com o calor de uma paixão relâmpago...
Os dias foram-se passando e as visitas do namorado tornando-se quase que diárias. Ao som de um rádio em volume agradável, Claúdia foi envolvendo o namorado em carícias nunca dantes por ele conhecidas. Achou ele que pela primeira vez uma mulher tratava-o como homem. Foi-se a adolescência, pensava.
As carícias desenvolveram-se compassadamente. A cada dia cresciam um pouco. Ah, malvada Cláudia! Colocava Pedro a cada dia mais enlouquecido. Sabia fazê-lo tremer por dentro, arrepiar-se, ter a velocidade do sangue circulante aumentada, talvez a cem vezes... As conversas já nem iniciavam-se como nos primeiros dias. Iam já direto aos prazeres...
Numa tarde, quando Pedro chegou, Cláudia veio instigá-lo.
- Comprei dois biquínis, disse-lhe. Quer ver como ficaram em mim?
A resposta não era necessária sair da boca. Os olhos de Pedro brilharam com mais intensidade e logo, muito rapidamente, respondeu a ela que sim. Cláudia subiu as escadas. Voltou com um embrulho e abriu-o mostrando os biquínis. Ah, meu Deus, pensava o namorado com um rosto de felicidade. Cláudia saiu com uma peça na mão dizendo que iria trocar-se. Logo voltou, ainda vestindo as calças apertadas e a pequena camiseta que mostrava seu umbigo.
- Resolvi não mostrar para você...
- Mas... por quê?
Cláudia nada explicou. Abraçou Pedro delicadamente, colou-o em seu corpo e beijou-o na boca, deliciosamente. Acariciava-o na nuca, escorregava as mãos por suas costas. Ele, tímido, tinha as mãos em volta da perigosa cintura da moça e pensava, em seu estado de excitação, em descê-las. Existia um medo interno. Nunca antes o fizera, com qualquer das namoradas. Ardia por dentro e Cláudia bem o sabia. Provocava-o. Devagar e ainda aos beijos, foram para o chão, ao mesmo lugar de todos as tardes. Cláudia levou Pedro a sentar-se recostado aos pés do sofá, abriu suas pernas e colocou-se no colo do namorado. Apertava-o agora com todo o corpo. Fazia-o transpirar. Roçava seus quadris pelo colo de Pedro e seus movimentos aceleravam-se... Pedro soltou as mãos para encontrar-lhe as lindas curvas. Desceu-as, subiu-as novamente para a cintura. Subiu-as a encontrar os seios de Cláudia. Tinha ainda medo dentro de si, mas quando encontrou os seios da namorada ouviu, no mesmo tempo, um gemido de prazer ao seu ouvido. O medo deixou-o. Nunca experimentara tamanha sensação de prazer e loucura. A virgindade de um rapaz de dezenove anos, que era raríssima entre os de sua idade, estava para ser arrancada...
Cláudia, contudo, parou, instantaneamente. Sorriu maliciosamente, freou Pedro em seus instintos e no caminhar de suas mãos. Era dela o domínio. Passou-lhe a mão, suavemente, pelo rosto, pela nuca, em seus finos cabelos. Disse que amava-o. Disse-lhe ser virgem.
Ao pronunciar aquelas últimas palavras teve como resposta de Pedro um olhar assustado. Houve um tempo de silêncio entre os dois. Somente o rádio tocava baixinho. Quando retornaram às palavras Pedro confessou-lhe:
- Também sou.
- Você? Não acredito! – respondeu ela em tom atônito, porém de modo teatral posto que já tinha certeza da verdade que ele acabara de contar.

A esta altura o fogo que consumia Pedro já se ia. Era já passado das dezessete horas e Cláudia o despediu. Sabia que em seu caminho de volta nada do que se passara lhe fugiria à memória. Sabia que em lembranças o namorado ainda sentiria excitação por ela, por repetirem-se aqueles momentos. Sabia que provocava-o e que tinha o domínio. Quando ela quisesse, e se quisesse, ultrapassariam aquele novo limite imposto. O namorado subia em nuvens, por outro lado. Sua paixão assemelhava-se ao pé de feijão da estória do João: crescia sem parar e a uma velocidade particular.
Faziam o curso no horário matutino.
Numa dessas manhãs, Cláudia chegou para as aulas especialmente feliz: conseguira um emprego. Trabalharia no período da tarde, no Unibanco, numa agência bem próxima à sua casa. Pedro partilhou da sua felicidade. É importante dizer que nesses dias todos que se passaram, e em alguns que ainda passariam, a intimidade dos dois ainda era mantida por Cláudia no mesmo limite do último encontro narrado.
Cláudia iniciou no novo emprego na semana seguinte. Duas semanas depois seus assuntos com Pedro resumiam-se a apenas um: o trabalho. Começou a deixá-lo, algumas vezes, para ir ter com Maria Inês, a velha amiga. Conversavam em segredos como antes, contudo não gargalhavam tanto mais.
Pedro era sensível. Sentia no ar que coisas, não sabia exatamente quais, estavam mudando. Até que chegou um dia que ele não desejava que existisse.
- Pedro, vamos dar um tempo?
- Dar um tempo? – e deu uma pausa à fala. Como assim?
- É, no nosso namoro...
- Mas... por quê?
Pedro corou, sentiu um embargo na garganta, um arrepio ruim a subir-lhe pelo corpo, uma tristeza a invadir-lhe.
- Não sei se quero também... Estou meio confusa... Ah, esquece...
A má semente já tinha mergulhado no solo. A moça queria manter-se fria mas iniciou-se uma batalha contra o calor do corpo de Pedro que ela tinha abraçado. Ela sentia-o imóvel, sem capacidade de reação. Sentiu a tristeza dos seus olhos. Sentiu remorso no coração...
O segredo que Cláudia escondia chamava-se Mário. Era um rapaz aloirado, cabelos jogados para o lado esquerdo, lindos. Tinha nos olhos um ar de esperteza, olhos grandes, negros como os dela. Era esbelto, trazendo na pele uma cor dourada. Trabalhava no Unibanco e trajava-se sempre como o próprio ofício lhe exigia. Seus costumes e gravatas eram muito bem cuidados, sapatos lustrosos. Era um belo rapaz.
Os dias que se foram desde a entrada de Cláudia no banco foram dias de olhares. Ela, logo que o viu primeira vez, sentiu um arrepio diferente subindo por seu corpo. Ele também a olhara de um modo singular. As primeiras conversas vieram e, no seu oitavo dia de trabalho, Cláudia recebeu um convite para saírem. Combinaram para o sábado à noite.
Cláudia nada contou a Pedro. A Maria Inês sim, confidenciou o que estava acontecendo. Não via a hora de chegar o sábado, mas sentia-se triste quando estava com Pedro na faculdade, pelas manhãs. Ela abraçava-o, beijava-o, tratava-o com carinho. O namoro ainda continuava embora seu coração já pendesse para outros olhos.
Saiu com o Mário, enfim. Pela primeira vez em sua vida de apenas dezoito anos não eram dela as rédeas. Sentia-se dominada, fascinada pela beleza, pelo sorriso, pela agradável conversa, pelos modos gentis. Sentia-se apaixonada. Entregou-se em carinhosos beijos lá pelo fim da noite...
Chegou na faculdade, na segunda-feira, gélida. Não sabia como olharia para os olhos azuis de Pedro. Não saberia esconder... Na verdade até faltou-lhe vontade de ir às aulas naquele dia, mas foi.
Cláudia não poderia esperar. Antes das aulas chamou Pedro a um canto.
- Pedro, agora é sério, eu preciso de um tempo.
Pedro congelou.
- Mas por quê? O que está acontecendo? O que estou fazendo de errado? Clá, eu te amo, estou feliz...
Escondia ele a insegurança que sentia, a má semente que já queria brotar no seu íntimo.
- Estou confusa, só isso. Preciso de um tempo.
- Mas confusa com o que?
Ela não sabia como responder, como contar da existência do Mário. Depois de um breve silêncio, vendo que Cláudia nada dizia, Pedro adiantou-se:
- É no banco? Tem outro cara? Quem é?
Na verdade ele não desejava ouvir as respostas. Já pressentia havia dias...
- É. Conheci uma outra pessoa... Mas só estou confusa... Preciso de um tempo para pensar... Eu também te amo... Mas preciso de um tempo...
Pedro mostrou inconformismo. Era verdade, existia um outro.
Cláudia sentiu-se mais aliviada. Conseguira falar ao menos. Foi assentar-se junto da Maria Inês, longe de Pedro. Os amigos deste não demoraram a lançar-lhe olhares curiosos. O Johnny, especialmente, parecia já entender todo o ocorrido.
Mal despediu-se de Pedro quando se foi após as aulas daquela segunda-feira.
Passaram-se mais alguns dias. O coração de Cláudia enamorava-se mais pelo Mário. Foi convidada mais vezes para sair com ele. Foi e divertiu-se. As conversas continuavam longas e agradáveis, o sorriso do Mário era contagiante como sua delicadeza e cortesia, seus beijos eram como um sonho...
Na faculdade Cláudia sentia-se incomodada com a fixação dos olhares de Pedro sobre ela. As aulas já nem deviam adentrar os ouvidos do ex-namorado. Perturbava-a a insistência com que ele queria sempre falar com ela alguma coisa. Ela o ouvia, mas cansava-se das mesmas palavras: “Clá, eu te quero... Eu vou ganhar deste cara... Você vai ser minha... Eu te amo... Não me deixe, por favor...”. Ela cedia aos apelos vez em quando. Dava nele alguns abraços, alguns beijos. Nos beijos sentia lágrimas de Pedro escorrerem pelo seu rosto. Via nos olhos do pobre um sofrimento que apertava-lhe o coração. Sabia por outro lado que alimentava-lhe as esperanças quando cedia desta forma.
Cláudia lembrou-se de um passado não muito distante: Fernando e Johnny. “Por quê não ficar com os dois?”, pensou. “Eu amo os dois...”.
Mais uma vez o do banco de nada sabia do outro. O dos bancos escolares sim, sabia e sofria com toda a história.
Cláudia levou assim por algumas semanas. Ouvia de Pedro que seria ele o vencedor. Para este era a história de uma guerra e ele iludia-se quanto à vitória. Sabia isto somente ela, que dia a dia começava a conhecer de fato seu coração. Ela de fato amava Mário, como nunca antes acontecera com outro namorado qualquer. Decidiu mudar seu horário de curso, passar a estudar à noite. Colocou louco o Pedro, viu um choro sentido sendo derramado. Permaneceu firme, porém.
Cláudia não terminou o curso. Casou-se com Mário algum tempo depois, grávida. Foi feliz.
Mais de um ano depois, quando descia por escadas rolantes no Shopping Ibirapuera, viu lá de cima o Pedro que estava subindo, em sentido contrário. Antes que ele a visse escondeu com os cabelos o rosto e virou-se para o lado oposto. Não sabe se ele a viu. Se sim, não lhe veio ao encontro. Teve somente uma certeza: amara também o Pedro, só poderia ser isto. O calor que subiu-lhe pelo corpo, uma súbita tremedeira nas pernas, o instinto de proteger-se de seu olhar... Quis que ele a tivesse visto, que tivesse vindo a seu encontro. Logo descartou a idéia. Não sabia o que poderia acontecer...