quinta-feira, outubro 19, 2006

A danada da estréia


8 de janeiro de 2.004.

A primeira transa com um novo affair pode ser tão ruim quanto perder a virgindade
Por Kika Salvi

Quando perdi a virgindade, achei que estava sendo rasgada ao meio. Aquilo não teve nenhuma graça. Não vi estrelas, não suspirei de encantamento nem senti a comunhão apaixonada de dois corpos se fundindo. Me senti f..., isso sim. E no mau sentido, no pior de todos: achei uma baita sacanagem a natureza reservar aquele susto a uma menina, aquela sensação de que não haveria espaço suficiente para o corpo invasivo sem que sua receptora jorrasse sangue e gritos de aflição. Bem, de fato houve sangue, e uma aflição silenciosa disfarçada por um contentamento fingido, preocupada em não ferir não somente os sentimentos do meu caro abre-alas, mas também minha própria fantasia infantil e romântica de que experimentaria o êxtase do glorioso rito de passagem à vida adulta. A única coisa boa da primeira vez é que você se livra dela tão logo chegue à segunda, e vai aos poucos se inteirando da engrenagem toda do prazer. Não é mesmo? Não, não é. Porque o raio da primeira vez vai assombrar a nossa vida pelo resto da existência (ou até que se produzam hormônios sexuais em quantidade suficiente para as glândulas secretarem os líquidos da sociabilidade conjugal). O que no início era dor agora se encabula, e essa é a segunda grande peça que a natureza nos pregou: a menos que se tenha a sorte (ou o azar, vai saber) de encontrar o grande amor em tenra idade, a primeira vez com alguém será sempre tão desventurada quanto aquela que nos descabaçou. E como a vida saudável prevê uma certa experimentação sexual, o tormento da avant-première acaba sendo um tema recorrente vida afora.

DA ALEGORIA À ALEGRIA


A primeira vez com alguém é quase sempre temerosa. Porque tem o lance da nudez, do desconhecimento da sensibilidade do compadre, das predileções ainda ocultas. É quase um campo minado, em que os prudentes tateiam sem muita categoria para não explodir minas mortais (ou você acha que um cara que curte uma retaguarda vai se impondo com maestria nos fundilhos da garota? Isso dá cartão vermelho...). A cautela revela interesse em descobrir o que o outro gosta. Quem vai direto ao ponto ou com muita sede ao pote, ou está inseguro e quer mostrar serviço ou está andando para as sensações que propicia à sua presa. Eu, por exemplo (não sou paga pra ilustrar com caso próprio, mas é sempre bom lembrar que a colunista também se intimida na primeira): tenho estrias na barriga depois da maternidade. Tudo o que há de bom em minha extensão anatômica fica momentaneamente suprimido pelo receio de que as tais estrias saltem aos olhos do meu novo namorado. E, pelamordedeus, quem consegue gozar tentando ocultar imperfeições? Eu, não. Mas pra isso tem etiqueta. E a etiqueta diz, com letras garrafais e em negrito, que um homem jamais deve tecer comentários detalhados sobre o corpo da bem-vinda. Elogios, sim, mas comentários (sobretudo os embasados), não. Adjetivos vagos e genéricos não fazem mal algum, muito pelo contrário. “Gostosa”, “deliciosa”, “cheirosa”, “linda”, “macia”, todos são permitidos e funcionam feito bálsamo nas travas da mocinha. Já chamá-la de “bunduda”, “peituda”, “coxuda” ou “peluda” (ou qualquer outra palavra que termine em “uda”), nada disso surtirá efeito relaxante para a entrega. Principalmente se forem utilizadas no aumentativo. E nisso está a sabedoria: aposte no genérico, seja gentil e minta quando for preciso para a pobrezinha se soltar e parar de reinventar o trauma do primeiro arrombamento.