quinta-feira, outubro 19, 2006

Pai


28 de dezembro de 2004.

Texto de Fabio Hernandez (recebido de Ricardo I.)

A mulher pode implicar com qualquer coisa. Com nossos amigos. Com nosso carro. Com nosso cachorro. Com nossa mania de discutir futebol como se fosse uma coisa realmente séria. Até com nossa mãe - que na verdade sempre acha, quase nunca com razão, que somos muito melhores que aquela mulherzinha que lhe impingimos como nora. A mulher pode implicar com tudo que quiser. Exceto uma coisa: o pai.
A pior coisa que uma mulher pode fazer pelo romance é implicar com o pai do namorado, marido ou o que seja. Porque o pai é a figura central na vida de um homem. O pai é nosso modelo desde o berço até o caixão. Nós passamos a vida inteira querendo fazer bonito para as mulheres. (Me lembro do tombo espetacular de bicicleta que meu irmão Ed levou aos oito anos na tentativa de impressionar a Fernanda. Duro mesmo foi levantar-se do chão, não chorar de dor e, com o resto de dignidade que sobrava, subir de novo na bicicleta e voltar para casa, onde minha mãe lhe deu um banho que lhe arrancou gritos assustadores.)
Mas eu dizia o seguinte antes de ser interrompido por mim mesmo e minhas divagações pretéritas. Nós passamos a vida inteira querendo impressionar as mulheres. Mas o julgamento de nenhuma mulher, por mais amada que seja, tem para nós o mesmo impacto do julgamento de nosso pai. A reprovação paterna é cruel como um velho cossaco russo. (Meu Tio Fabio, um homem sábio do interior, é quem dizia que os velhos cossacos russos eram cruéis. Nunca chequei, mas confio em meu tio e então acredito na crueldade cossaca. ) E poucas coisas se igualam, em toda nossa vida, à aprovação paterna. A maior platéia de um homem é composta de uma só pessoa: seu pai.
Um amigo meu jogava futebol. Futebol sério. Não essas peladas de cervejeiros nos finais de semana. Batia de canhota. Jogou em estádios cheios, com torcida fazendo batucada. Ele me disse uma vez que, durante os jogos, sempre olhava para as arquibancadas à procura de seu pai. Importava menos a opinião de seu técnico do que a de seu pai. Cada grande jogada que ele fazia pensava no pai. E quando perdeu um gol decisivo ele ficou arrasado porque sentiu que decepcionara seu pai. Sempre entendi esse meu amigo perfeitamente.

Numa certa época da vida, na adolescência, gostamos de contestar o pai. Mas é uma contestação de mentirinha. Somos, na adolescência, idiotas sem juízo, ignorantes presunçosos. Mas esse estado de torpor intelectual não dura uma vida inteira. Envelhecemos, graças a Deus. E logo aprendemos que nosso pai estava quase sempre certo nos reparos que fazia em nossa adolescência. Matamos o pai, adolescentes, para ressuscitá-lo, ainda mais forte, na idade da razão.
E então digo a todas as mulheres do mundo interessadas num bom relacionamento amoroso: não mexam com o pai dele. Se não bastassem todas as razões que alinhei, haveria ainda uma outra. O nosso pai, ao contrário da nossa mãe, é quase sempre aliado da namorada. Porque ele tem esperança de que ela possa trazer juízo para o filho. Possa transformar o garoto num homem. No mais das vezes, é - para citar uma frase fabulosa de La Rochefoucauld - o triunfo da esperança sobre a experiência.
E agora a parte triste. (Quem quer coisas alegres mude agora, por favor, de página.) A morte do pai atira o homem num persistente estado de desamparo do qual ele leva anos, décadas para se livrar. Às vezes, nunca se livra. Pai morto. E então me ocorre a idéia de uma onda. Para enfrentá-la é preciso bater os braços, bater os braços e bater os braços. Para onde as braçadas levam? Francamente, não sei, mas o que importa? O que importa é bater os braços, bater os braços e ainda bater os braços.